2013-05-23

UMA AULA DE HISTÓRIA


Estive neste domingo em um batizado grego e sempre há algo para nos surpreender. Como sabemos pouco da história e da cultura da Grécia!


História sempre foi minha grande paixão. Um professor do 2º grau disse que "só é possível entender o presente, olhando para o passado". Naquele ano estudávamos o período republicano no Brasil. É verdade... não há como compreender a forma de viver de um povo sem nos aprofundarmos em sua história, em seu passado, suas raízes.

'Rato de biblioteca' que sempre fui, tive em casa acesso a uma coleção que meu irmão comprava: CONHECER. Eu me deliciava em ler a história dos países, da cultura, da ciência. Esse hábito foi tão espontâneo e tão forte, que durante os anos de estudos que antecederam a faculdade, eu me divertia lendo todo o livro da disciplina de história antes do início do ano - era para mim como um romance...

Assim, desde pequena os sumerianos, babilônios, romanos, visigodos, chineses, indianos e egípcios invadiram o meu universo e passaram a ser parte me minha história. E os gregos, claro, que sempre tiveram uma posição de destaque sobre os demais.

Este povo, que possuía na antiguidade uma cultura bastante avançada, me seduziu por um diferencial único e singular: seu desenvolvimento intelectual. A população livre tinha acesso ou podia desfrutar de inteligências superiores e compartilhar filosofias transcendentes e das genialidades do mundo antigo: teatro, escultura, arquitetura, filosofia, esporte, política, ciências...

É uma infinidade de conhecimentos da antiguidade, que sobreviveram a massacres, invasões e destruições que se sucederam nessa terra desde o império romano, e que chegaram aos nossos livros escolares. E só. Nem uma página li sobre a história da Grécia depois do domínio romano. Exceção para a 1ª olimpíada dos tempos modernos no Séc XIX, que é do conhecimento de todos os que assistem as olimpíadas.

É a partir da segunda metade do século XX que a humanidade se deslumbram com a imensidão de riquezas culturais que aqui fervilhavam há mais de 2 mil anos, mas agora com o objetivo da preservação, e não mais do saque.

Dizem que se o famoso Museu do Louvre fecharia as portas se devolvesse todos os itens ilegalmente confiscados... bem, é um exagero: não fecharia as portas mas ele se reduziria a algumas poucas dezenas de salas.

Só recentemente, em setembro passado, tive a oportunidade de visitar as ruínas das Academias, onde os filósofos ensinavam o povo e discutia-se todas as ciências da época. Localiza-se no centro de Atenas e, ao caminhar pelos seus limites físicos é possível imaginar a vida fervilhando naquele lugar e do valor que o ensino e o estudo possuíam a para o cidadão ateniense!

Nesse mesmo dia também caminhei por uma pequena colina onde no topo se localizava o Senado Grego. Quase nada resta do prédio, mas ainda está  intacta uma escadaria que tem um valor significativo e especial, pelo menos aos meus olhos: naqueles degraus qualquer cidadão ateniense poderia subir e falar livremente sobre as questões políticas, sociais de seu povo, sem repressão ou perseguição. Onde mais podemos encontrar um espaço como esse?

Mais a frente é possível ver outra pequena colina, de onde Paulo de Tarso trouxe a Boa Nova de Jesus. Só de olhar, emociono-me... Como esses ambientes tem uma magia, uma energia tão forte... só uma visita com uma leitura prévia da história é que é possível compreender a grandeza do que hoje são ruínas, mas que simbolizam parte do berço da humanidade.

Junto a esses monumentos, e até sobre eles, como no caso das Academias, nos deparamos com igrejas bizantinas e me assalta a dúvida: o que é o período bizantino? Ainda lembro que a Grécia era colônia de  Roma  quando esta adota o Cristianismo como religião oficial no séc. IV. Mas o que aconteceu após a queda do Império Romano? Desculpe-me pela ignorância, mas não posso mentir: sei que nada sei... mesmo!

Visitar e usufruir de uma caminhada nas ruínas preservadas da Grécia antiga exige do turista um conhecimento mínimo de sua história e do seu passado. Ou será um passeio de 'pedras', compras, comidas e sorvetes, como aparece na comédia 'Falando Grego'. O conhecimento leva à paixão pela história e pela cultura que emana do passado, ao se caminhar por entre os vestígios que permanecem preservados.

Mas para que uma aula de história nesse momento? Afinal um batizado não tem relação com a antiguidade e com o período bizantino, certo? Errado. Tem tudo a ver! E eu explico:

São 3, os eventos mais importantes na vida social e familiar do cidadão helênico moderno, e que se confunde com a própria igreja ortodoxa:  o batismo, o casamento e a morte.

O batizado é uma cerimônia cheia de significados, e que encanta aos viajantes que nunca a assistiram. É ao mesmo tempo um evento social e religioso. Mas, para compreender a sua importância e simbolismos, é preciso ir ao passado mais recente, após o séc XV.

Retornando o olhar para o passado encontramos no Período Bizantino o começo da identidade grega misturando-se ao cristianismo e à igreja. Esse período leva o nome da cidade escolhida por Constantino para ser a capital do Império Romano do Oriente: Bizâncio. Mas adiante a cidade passa a chamar-se de Constantinopla.

As cidades gregas se estendiam além dos limites atuais, indo até parte da Turquia, para além  de Constantinopla, e chegando até a França, Itália e à Sicília. Roma incorpora toda a  região sob seu poder e, com a invasão do império turco-otomano, todo o império romano desmorona definitivamente, levando consigo todos os territórios dominados.

Atenas é destruída e tem seu povo disperso por toda a Ásia - se torna sombra de seu passado, reduzida a um pequeno vilarejo esquecido. Um momento crítico para a identidade grega, um povo dominado por Roma por mais de 1500 anos e agora pelos Turcos. É esse período que desaparece qualquer vestígio da Grécia nos livros de História.

A Grécia poderia ter tido a mesma sorte que os sumérios, babilônios, fenícios, mas é a Igreja Ortodoxa - herança do Império Bizantino, separada da Católica Romana no séc XII - que mantêm preservada a unidade e identidade do povo grego por quase 400 anos de domínio turco.

Como durante os quase 400 anos de dominação turca  era proibido falar e escrever grego, os  padres ortodoxos remanescentes,  à noite, transmitiram durante gerações a fé cristã e o idioma grego, através da leitura do Novo Testamento.

A Grécia chama-se ELLÁS - ΕΛΛΑΣ - e representa o povo helênico que habitava as cidades-estados da antiguidade: Atenas, Esparta, Macedônia, etc, as ilhas e entendendo-se para além dos limites atuais, inclusive parte da Ásia,  atual Turquia. São os turcos que denominam o povo de Greek, que significava o seu escravo.

Em 1821 iniciou-se a guerra de independência e somente após a 2ª guerra mundial é que a Grécia passa a ter as atuais fronteiras, que representa somente uma parte de seu território original.

A Igreja, que manteve a unidade grega, cultura e idioma, passa a ter um papel de destaque no Estado, e de referência a todos os cidadãos, independente da crença e acima da religiosidade. Daí a importância dos eventos  do  batismo, casamento e morte na sociedade helênica.

O batismo representa para o grego o momento em que o filho torna-se cristão e passando a ter um nome cristão. Ate os anos 80, a criança somente tinha um nome ao se batizar. O registro civil indicava que o bebê (to morô) havia nascido 'na determinada família' e, além da filiação, constava a data e o sexo. Após o Estado tornar-se laico, as crianças passam a  receber um nome no registro civil, mas a família mantém-se a tradição de chamar o bebê pelo nome somente após o batismo (para não dar azar!).

A roupa que a criança veste ao chegar à igreja normalmente não é nova e é trocada por outra nova, ao final do batismo. A roupa nova simboliza uma nova vida: na crença ortodoxa,  a criança nasce pagã e após o batismo ela é recebida e aceita como cristã. É uma cerimônia individual, e não coletiva. Assim os pais e familiares preparam um encontro social para comemorar esse grande evento.

Às portas da igreja é montada uma tenda com lembranças do batismo e água para servir aos convidados. Pode parecer estranho dar-se água ao invés de refrigerantes ou outras bebidas mas a Grécia não tem os hábitos ocidentais americanos ou europeus. A água é um bem precioso e representa o maior consumo de bebida, seguida pelo café. Mas esse assunto é para outro momento!

As lembrancinhas entregues ao final do batismo são 'comestíveis': amêndoas açucaradas, chocolate, cakes, marshmallows e até sorvetes (dependendo da época do ano), sendo arrumados em enfeites de muito bom gosto. E pelo menos uma das lembranças deve ser composta com 5 amêndoas doces: o número ímpar 'da sorte'...

Todos se vestem elegantemente, como num casamento. Ao início da cerimônia todos recebem um broche, identificando sua participante da cerimônia de cristianização.

Ao final da cerimônia que assisti, o pai do menino Ioannis (João) carregou-o à saída do batismo com a felicidade estampada nos rosto. Levanta-o sobre os ombros e num gesto de apresentação, mostra o seu filho a todos os presentes que se encontravam fora da igreja. Comove-se vendo a alegria dos pais, nesse momento tão especial para eles.

Após o batismo e a entrega das lembrancinhas, fotos, etc, um grande almoço é oferecido a todos os presentes, em um restaurante nas proximidades. As fotos que (tentarei) postar falarão um pouco do que assisti neste domingo.

Nem todas as igrejas são grandes o suficientes para acolher todos os presentes, mas elas tem em comum um átrio externo onde os convidados se espalham, conversando e fumando (outra quase unanimidade grega, fortemente presente).

Um outro hábito é o beijo na face entre homens. Jesus beijou e foi beijado. Portanto, não se espante ao presenciá-lo: vários povos do oriente tem esse hábito em sua cultura. Infelizmente os ocidentais associam-no à própria masculinidade e reprimiu-se essa forma de afeto.

O beijo na face é sinal de respeito, amizade e consideração, e é trocado em momentos especiais como esse entre pessoas de convívio direto. Também entre parentes, mas jamais no dia-a-dia entre colegas ou conhecidos. O abraço também é um ato de profunda amizade e não é dado a qualquer momento. A intimidade só existe para as pessoas de convívio mais estreito.

Uma boa maneira de agir quando se conhece um grego é de estender a mão  - esse é um comprimento local e é sempre necessário quando se é apresentado a alguém, seja homem ou mulher. Jamais se abraça ou beija na primeira apresentação. O contacto físico só existe quando passa a se conhecer afetivamente. Eu, particularmente, sempre estendo a mão e digo /Héro polí/ (muito prazer!) e espero que a pessoa tome a iniciativa de abraçar-me ou beijar-me na face. Essa receita sempre deu certo!

Ah! Ia esquecendo: o beijo é dado oferecendo primeiramente a face esquerda e depois a direita - eu sempre acabo me enrolando nessas horas... rsrsrs... mas eles tem uma paciência infinita com as minhas dificuldades (felizmente!!!).

No caso dos visitantes do sexo masculino ... bem meus amigos, não há nenhum motivo de preocupação: o grego em geral conhece a cultura ocidental e a respeita - no máximo haverá aperto de mãos e talvez um abraço. E não existe banalidade na atitude do grego: o aperto de mão significa respeito e um abraço é sinal de grande carinho e confiança! 

É claro que, como todos os povos, encontramos alguns mal-educados - mas isso é fruto da ignorância e da falta de base familiar, e que não podemos eliminar pela força, mas pelo exemplo...

Realmente é preciso conhecer o passado para entender o presente. E o respeito à igreja ortodoxa traduz muito mais do que uma religiosidade, mas uma instituição que se confunde com a própria identidade grega. 

E não se espante com o número de igrejas que se encontra por toda a Grécia: elas representam uma religião e, diversamente de outras crenças, também a identidade e a história de um povo que ultrapassou os obstáculos que os acontecimentos relevantes da história do homem imprimiram sobre sua nação...

Bjs carinhosos!!!

1 comentário:

  1. Nossa. Nunca vi a Igreja por esse lado. Foi bastante enriquecedor ver por outros olhos. :)
    Beijinhos cheios de saudades, Mommy!!

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