Estive neste domingo
em um batizado grego e sempre há algo para nos surpreender. Como sabemos pouco
da história e da cultura da Grécia!
História sempre foi
minha grande paixão. Um professor do 2º grau disse que "só é possível
entender o presente, olhando para o passado". Naquele ano estudávamos o
período republicano no Brasil. É verdade... não há como compreender a forma de
viver de um povo sem nos aprofundarmos em sua história, em seu passado, suas
raízes.
'Rato de biblioteca'
que sempre fui, tive em casa acesso a uma coleção que meu irmão comprava:
CONHECER. Eu me deliciava em ler a história dos países, da cultura, da ciência.
Esse hábito foi tão espontâneo e tão forte, que durante os anos de estudos que
antecederam a faculdade, eu me divertia lendo todo o livro da disciplina de
história antes do início do ano - era para mim como um romance...
Assim, desde pequena os
sumerianos, babilônios, romanos, visigodos, chineses, indianos e egípcios
invadiram o meu universo e passaram a ser parte me minha história. E os gregos,
claro, que sempre tiveram uma posição de destaque sobre os demais.
Este povo, que possuía
na antiguidade uma cultura bastante avançada, me seduziu por um diferencial
único e singular: seu desenvolvimento intelectual. A população livre tinha
acesso ou podia desfrutar de inteligências superiores e compartilhar filosofias
transcendentes e das genialidades do mundo antigo: teatro, escultura,
arquitetura, filosofia, esporte, política, ciências...
É uma infinidade de
conhecimentos da antiguidade, que sobreviveram a massacres, invasões e
destruições que se sucederam nessa terra desde o império romano, e que chegaram
aos nossos livros escolares. E só. Nem uma página li sobre a história da Grécia
depois do domínio romano. Exceção para a 1ª olimpíada dos tempos modernos no
Séc XIX, que é do conhecimento de todos os que assistem as olimpíadas.
É a partir da segunda
metade do século XX que a humanidade se deslumbram com a imensidão de riquezas
culturais que aqui fervilhavam há mais de 2 mil anos, mas agora com o
objetivo da preservação, e não mais do saque.
Dizem que se o famoso
Museu do Louvre fecharia as portas se devolvesse todos os itens ilegalmente
confiscados... bem, é um exagero: não fecharia as portas mas ele se reduziria a
algumas poucas dezenas de salas.
Só recentemente, em
setembro passado, tive a oportunidade de visitar as ruínas das Academias, onde os filósofos ensinavam o
povo e discutia-se todas as ciências da época. Localiza-se no centro de Atenas
e, ao caminhar pelos seus limites físicos é possível imaginar a vida
fervilhando naquele lugar e do valor que o ensino e o estudo possuíam a para o
cidadão ateniense!
Nesse mesmo dia também
caminhei por uma pequena colina onde no topo se localizava o Senado Grego.
Quase nada resta do prédio, mas ainda está intacta uma escadaria que tem um valor
significativo e especial, pelo menos aos meus olhos: naqueles degraus qualquer
cidadão ateniense poderia subir e falar livremente sobre as questões políticas,
sociais de seu povo, sem repressão ou perseguição. Onde mais podemos encontrar
um espaço como esse?
Mais a frente é
possível ver outra pequena colina, de onde Paulo de Tarso trouxe a Boa Nova de
Jesus. Só de olhar, emociono-me... Como esses ambientes tem uma magia, uma
energia tão forte... só uma visita com uma leitura prévia da história é que é
possível compreender a grandeza do que hoje são ruínas, mas que simbolizam
parte do berço da humanidade.
Junto a esses
monumentos, e até sobre eles, como no caso das Academias, nos deparamos com
igrejas bizantinas e me assalta a dúvida: o que é o período bizantino? Ainda
lembro que a Grécia era colônia de
Roma quando esta adota o
Cristianismo como religião oficial no séc. IV. Mas o que aconteceu após a queda
do Império Romano? Desculpe-me pela ignorância, mas não posso mentir: sei que nada sei... mesmo!
Visitar e usufruir de
uma caminhada nas ruínas preservadas da Grécia antiga exige do turista um
conhecimento mínimo de sua história e do seu passado. Ou será um passeio de 'pedras',
compras, comidas e sorvetes, como aparece na comédia 'Falando Grego'. O
conhecimento leva à paixão pela história e pela cultura que emana do passado, ao
se caminhar por entre os vestígios que permanecem preservados.
Mas para que uma aula
de história nesse momento? Afinal um batizado não tem relação com a antiguidade
e com o período bizantino, certo? Errado. Tem tudo a ver! E eu explico:
São 3, os eventos mais
importantes na vida social e familiar do cidadão helênico moderno, e que se
confunde com a própria igreja ortodoxa:
o batismo, o casamento e a morte.
O batizado é uma cerimônia
cheia de significados, e que encanta aos viajantes que nunca a assistiram. É ao
mesmo tempo um evento social e religioso. Mas, para compreender a sua
importância e simbolismos, é preciso ir ao passado mais recente, após o séc XV.
Retornando o olhar
para o passado encontramos no Período Bizantino o começo da identidade grega
misturando-se ao cristianismo e à igreja. Esse período leva o nome da cidade
escolhida por Constantino para ser a capital do Império Romano do Oriente:
Bizâncio. Mas adiante a cidade passa a chamar-se de Constantinopla.
As cidades gregas se
estendiam além dos limites atuais, indo até parte da Turquia, para além de Constantinopla, e chegando até a França,
Itália e à Sicília. Roma incorpora toda a
região sob seu poder e, com a invasão do império turco-otomano, todo o
império romano desmorona definitivamente, levando consigo todos os territórios
dominados.
Atenas é destruída e tem
seu povo disperso por toda a Ásia - se torna sombra de seu passado, reduzida
a um pequeno vilarejo esquecido. Um momento crítico para a identidade grega, um
povo dominado por Roma por mais de 1500 anos e agora pelos Turcos. É esse
período que desaparece qualquer vestígio da Grécia nos livros de História.
A Grécia poderia ter
tido a mesma sorte que os sumérios, babilônios, fenícios, mas é a Igreja
Ortodoxa - herança do Império Bizantino, separada da Católica Romana no séc XII
- que mantêm preservada a unidade e identidade do povo grego por quase 400 anos
de domínio turco.
Como durante os quase
400 anos de dominação turca era proibido falar e escrever grego, os padres ortodoxos remanescentes, à noite, transmitiram durante gerações a fé
cristã e o idioma grego, através da leitura do Novo Testamento.
A Grécia chama-se ELLÁS
- ΕΛΛΑΣ - e representa o povo helênico que habitava as cidades-estados da
antiguidade: Atenas, Esparta, Macedônia, etc, as ilhas e entendendo-se para
além dos limites atuais, inclusive parte da Ásia, atual Turquia. São os turcos que denominam o
povo de Greek, que significava o seu escravo.
Em 1821 iniciou-se a
guerra de independência e somente após a 2ª guerra mundial é que a Grécia passa
a ter as atuais fronteiras, que representa somente uma parte de seu território
original.
A Igreja, que manteve
a unidade grega, cultura e idioma, passa a ter um papel de destaque no Estado,
e de referência a todos os cidadãos, independente da crença e acima da
religiosidade. Daí a importância dos eventos
do batismo, casamento e morte na
sociedade helênica.
O batismo representa
para o grego o momento em que o filho torna-se cristão e passando a ter um nome
cristão. Ate os anos 80, a criança somente tinha um nome ao se batizar. O
registro civil indicava que o bebê (to morô) havia nascido 'na determinada
família' e, além da filiação, constava a data e o sexo. Após o Estado tornar-se
laico, as crianças passam a receber um
nome no registro civil, mas a família mantém-se a tradição de chamar o bebê pelo
nome somente após o batismo (para não dar azar!).
A roupa que a criança
veste ao chegar à igreja normalmente não é nova e é trocada por outra nova, ao
final do batismo. A roupa nova simboliza uma nova vida: na crença ortodoxa, a criança nasce pagã e após o batismo ela é recebida
e aceita como cristã. É uma cerimônia individual, e não coletiva. Assim os pais
e familiares preparam um encontro social para comemorar esse grande evento.
Às portas da igreja é
montada uma tenda com lembranças do batismo e água para servir aos convidados. Pode
parecer estranho dar-se água ao invés de refrigerantes ou outras bebidas mas a
Grécia não tem os hábitos ocidentais americanos ou europeus. A água é um bem
precioso e representa o maior consumo de bebida, seguida pelo café. Mas esse
assunto é para outro momento!
As lembrancinhas entregues
ao final do batismo são 'comestíveis': amêndoas açucaradas, chocolate, cakes,
marshmallows e até sorvetes (dependendo da época do ano), sendo arrumados em
enfeites de muito bom gosto. E pelo menos uma das lembranças deve ser composta
com 5 amêndoas doces: o número ímpar 'da sorte'...
Todos se vestem
elegantemente, como num casamento. Ao início da cerimônia todos recebem um
broche, identificando sua participante da cerimônia de cristianização.
Ao final da cerimônia
que assisti, o pai do menino Ioannis (João) carregou-o à saída do batismo com a
felicidade estampada nos rosto. Levanta-o sobre os ombros e num gesto de
apresentação, mostra o seu filho a todos os presentes que se encontravam fora
da igreja. Comove-se vendo a alegria dos pais, nesse momento tão especial para
eles.
Após o batismo e a
entrega das lembrancinhas, fotos, etc, um grande almoço é oferecido a todos os
presentes, em um restaurante nas proximidades. As fotos que (tentarei) postar falarão um
pouco do que assisti neste domingo.
Nem todas as igrejas
são grandes o suficientes para acolher todos os presentes, mas elas tem em
comum um átrio externo onde os convidados se espalham, conversando e fumando
(outra quase unanimidade grega, fortemente presente).
Um outro hábito é o
beijo na face entre homens. Jesus beijou e foi beijado. Portanto, não se
espante ao presenciá-lo: vários povos do oriente tem esse hábito em sua
cultura. Infelizmente os ocidentais associam-no à própria masculinidade e
reprimiu-se essa forma de afeto.
O beijo na face é
sinal de respeito, amizade e consideração, e é trocado em momentos especiais
como esse entre pessoas de convívio direto. Também entre parentes, mas jamais
no dia-a-dia entre colegas ou conhecidos. O abraço também é um ato de profunda
amizade e não é dado a qualquer momento. A intimidade só existe para as pessoas
de convívio mais estreito.
Uma boa maneira de agir
quando se conhece um grego é de estender a mão
- esse é um comprimento local e é sempre necessário quando se é
apresentado a alguém, seja homem ou mulher. Jamais se abraça ou beija na
primeira apresentação. O contacto físico só existe quando passa a se conhecer
afetivamente. Eu, particularmente, sempre estendo a mão e digo /Héro polí/ (muito prazer!) e espero que a
pessoa tome a iniciativa de abraçar-me ou beijar-me na face. Essa receita
sempre deu certo!
Ah! Ia esquecendo: o
beijo é dado oferecendo primeiramente a face esquerda e depois a direita - eu
sempre acabo me enrolando nessas horas... rsrsrs... mas eles tem uma paciência infinita com as minhas dificuldades (felizmente!!!).
No caso dos visitantes do sexo masculino ... bem meus amigos, não há nenhum motivo de preocupação: o grego
em geral conhece a cultura ocidental e a respeita - no máximo haverá aperto de
mãos e talvez um abraço. E não existe banalidade na atitude do grego: o aperto de mão significa respeito e um abraço
é sinal de grande carinho e confiança!
É claro que, como todos os povos, encontramos alguns mal-educados - mas isso é fruto da ignorância e da falta de base familiar, e que não podemos eliminar pela força, mas pelo exemplo...
Realmente é preciso
conhecer o passado para entender o presente. E o respeito à igreja ortodoxa
traduz muito mais do que uma religiosidade, mas uma instituição que se confunde
com a própria identidade grega.
E não se espante com o número de igrejas que se
encontra por toda a Grécia: elas representam uma religião e, diversamente de
outras crenças, também a identidade e a história de um povo que ultrapassou os obstáculos
que os acontecimentos relevantes da história do homem imprimiram sobre sua nação...
Bjs carinhosos!!!
Nossa. Nunca vi a Igreja por esse lado. Foi bastante enriquecedor ver por outros olhos. :)
ResponderEliminarBeijinhos cheios de saudades, Mommy!!